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MANOEL DE BARROS

“AUTO-RETRATO FALADO

Venho de um Cuiabá garimpo e de ruelas entortadas.

Meu pai teve uma venda de bananas no Beco da

        Marinha, onde nasci.

Me criei no Pantanal de Corumbá, entre bichos do

        chão, pessoas humildes, aves, árvores e rios.

Aprecio viver em lugares decadentes por gosto de

        estar entre pedras e lagartos.

Fazer o desprezível ser prezado é coisa que me apraz.

Já publiquei 10 livros de poesia; ao publicá-los me

        sinto como que desonrado e fujo para o

        Pantanal onde sou abençoado a garças.

Me procurei a vida inteira e não me achei – pelo

        que fui salvo.

Descobri que todos os caminhos levam à ignorância.

Não fui para a sarjeta porque herdei uma fazenda de

        gado. Os bois me recriam.

Agora sou tão ocaso!

Estou na categoria de sofrer do moral, porque só

        faço coisas inúteis.

No meu morrer tem uma dor de árvore.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

BARROS, Manoel de (2004). “Auto-Retrato Falado”, in O Livro das Ignorãças, Rio de Janeiro, Record (p. 103).

(Desenho de Manoel de Barros)

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